No ciclo da vida, a infância e a velhice caminham lado a lado

Categoria: Desabafo
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Imagem: pexels.com

Minha mãe virou mãe de novo. Não, minha mãe não engravidou aos 63 anos. Agora ela é mãe da mãe dela, a minha avó.

Nos últimos anos, a nossa família teve (está tendo) a felicidade de conviver muito, mas muito próxima mesmo. Praticamente todos os dias minha irmã, eu e nossos filhos almoçamos na casa da minha mãe e avó, que moram juntas – somente as duas – desde que meu avô nos deixou, há quase dez anos. Foi na casa da minha mãe que descobri minha primeira gravidez. Foi lá também que meus filhos saborearam a primeira papinha da vida. Foi na casa da nossa mãe que minha sobrinha passava grande parte do dia enquanto minha irmã saía para trabalhar, antes de entrar na escolinha.

Esse convívio não só fortalece os nossos laços familiares como faz a gente perceber a loucura que é o ciclo da vida. Minha mãe em especial, ao mesmo tempo que acompanha bem de pertinho todos os netos se desenvolvendo e crescendo, desde o nascimento, passando pelas primeiras palavras, primeiros passos (e tombos), aperfeiçoamento da coordenação motora, desenvolvimento cognitivo etc etc, ela vê a sua mãe fazendo o “caminho inverso”.

Explico melhor: ela vê um bebê crescer e se desenvolver ao mesmo tempo que vê uma idosa voltando a ser bebê. No último ano a minha avó, agora com 91 anos, teve um aceleramento considerável no envelhecimento.

Se por um lado minha mãe me ajudava a ensinar um dos netos a sair das fraldas e a usar o penico, por outro lado ela notava que já estava na hora de adotar fraldas geriátricas na minha avó, dado o número frequente de escapes.

No ano passado a minha avó fazia diariamente as suas cruzadinhas – excelente para o exercício cerebral. De 1 ano pra cá ela parou com as cruzadinhas. Suas mãos não aguentavam mais segurar o lápis e coordená-los. Exatamente na mesma época que meu filho escrevia por todos os papéis que via pela frente as letrinhas do seu nome: TEODORO. A caligrafia enfraquecida parecia ser a mesma da bisa.

É como se as crianças estivessem em uma ponta do aprender e os idosos na extremidade oposta – a do desaprender.

Sabe quando você ensina a criança os passos para determinada ação bem simples? Por exemplo, tomando um copo de água. Mãe, quero água. Filha, seu copo está em cima daquela mesa. Pegue o banquinho e alcance o copo. Isso. Agora depois de tomar, leve o copo até a cozinha e deixe em cima da pia. Em determinado momento, minha mãe teve que ditar as ações da minha avó: mãe, agora que você terminou de almoçar, sente-se um pouco na poltrona. Antes de deitar-se, vá ao banheiro. O banheiro é ali. Isso. Agora você pode ir para o quarto.

Há pouco menos de 1 mês, minha avó parou de comer. Aí minha irmã deu uma brilhante ideia: em vez de oferecer a mesma comida que a gente come, fazer uma papinha para a minha avó. Isso mesmo, papinha, a mesma que nossas crianças comem na introdução alimentar: mandioquinha, batata, cenoura, carninha, tudo muito bem cozido, com macarrãozinho. E não é que deu certo? Enquanto isso, a odontopediatra recomendou que eu servisse pedaços maiores de carne para a minha caçula e equilibrasse sua alimentação com alimentos mais duros, como maçã, por exemplo.

Minha avó já começa a dar indícios que logo mais precisará de ajuda para comer, para levar o talher à boca. Enquanto isso, cada vez que meus filhos (5 e 3 anos) pedem ajuda para comer, respondo que já são grandes e que sabem fazer isso muito bem sozinhos.

Minha filha caçula, do início do ano pra cá, desabrochou. Ela era tímida, quietinha, e agora parece que engoliu um rádio, de tanto que fala e canta. A menina não para. Já a minha avó… quase não fala mais nada….

A casa da minha mãe é tão “kids friendly” quanto “old”friendly: tem lenço umedecido, muuuuitos brinquedos espalhados pela casa, redutor de assento e banheirinha. E também tem assento de vaso alto, barras de segurança no boxe, andador e cadeira para idoso tomar banho.

Não tem como fugir desse paralelo entre a infância e a velhice. Ambos caminham lado a lado, só que em direções opostas. Nossas crianças criam autonomia exatamente no mesmo passo que minha avó fica cada dia mais dependente. Dia após dia a gente tem a oportunidade de observar isso dentro da casa da minha mãe.

E que maravilha poder ensinar todos os dias aos meus filhos a respeitarem os mais velhos (ops, os beeem mais velhinhos). A lenta caminhada da minha avó pelo estreito corredor da sala até a cozinha contrasta com a ansiedade inata dos pequenos de 3 e 5 anos de quererem chegar a algum lugar. “Epa, pode esperar… deixa a bisa passar e depois você”.

Mas também é triste ver uma pessoa se aproximando da linha de chegada da vida. Um dia ela foi forte como nós, carregou três filhos no colo, cuidava da casa, dividia-se entre a maternidade, o casamento e a profissão de secretária executiva.

Ao mesmo tempo, puxa, que privilégio vê-la atravessar essa jornada de modo pleno, sem doenças ou acidentes… é só a bateria que está arriando mesmo (apesar de ter enfrentado um câncer de mama depois dos 80 anos).

O ciclo da vida está aí, diante dos nossos olhos. E o que podemos fazer com ele? Aprender! Tenho certeza que essa interação quase que diária entre gerações tão diferentes só traz benefícios para nós! Para todos nós!

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